Capítulo 5


União espartana

   Thaletas estava mais impaciente do que nunca, pois teve que ficar de repouso enquanto seu ombro se curava. Ao longo de quase quatro dias ele precisou assistir seus homens fazerem o trabalho braçal, enquanto ele apenas dava ordens. Desejava sair para caçar com Alexios, carregar madeira, desossar cervos, mas não podia. Sua mente só se libertava quando ele exauria seu corpo, e em cada um desses dias que não pôde se movimentar direito, não nutria nada além de pensamentos negativos. Mal se encontrava com Kyra, e quando a via ela estava ocupada demais para dar atenção a ele. Alexios ia e vinha, às vezes evasivo mas sempre ajudando, e cada momento que Thaletas não desprendia para estar com o misthios o fazia sentir-se mais ansioso em passar mais tempo com ele. Sem questionar-se do porquê pensava tanto em Alexios, Thaletas aos poucos transformou o mercenário em seu confidente mais próximo. Em todo anoitecer, Alexios passava em sua tenda para ter certeza de que ele estava seguindo o tratamento, e ambos aproveitavam para relaxar na companhia um do outro.

   Alexios estava bem-humorado com a nova descoberta. Ele não sabia se seria capaz de resolver todos os atritos entre Kyra e Thaletas, mas estava confiante de que o clima entre eles melhoraria consideravelmente. Além disso, com suas novas aquisições esperava agradar seu aliado espartano, que parecia envelhecer rapidamente devido ao estresse a que era submetido diariamente. Alexios adentrou o acampamento, que em prol da discrição agora não possuía nenhum estandarte ou cores que remetiam a Esparta, e procurou por Thaletas. Avistou-o em cima de uma larga pedra, discursando para seus subordinados.
   - Espartanos! Muitos de nossos companheiros sucumbiram aos atenienses..., mas ainda estamos aqui. A Batalha dos Trezentos? Leônidas tinha sorte por ter um exército tão extenso! Em breve, nós honraremos aqueles que caíram e enviaremos nossos inimigos para Hades! Kyra vai lutar e morrer por seu povo, e nós faremos o mesmo! Delos convocou e Esparta respondeu! Não iremos embora até que essas ilhas sejam nossas! - Quando Thaletas terminou, os poucos soldados ali urraram em uníssono numa clara demonstração de que o general ainda era capaz de inspirá-los.
   O discurso era inflamado, mas Alexios sabia que por dentro Thaletas estava chegando ao seu limite. Entendia que ele não poderia permitir que seus homens se sentissem da mesma forma, e que precisava tentar fomentar o espírito guerreiro neles. Alexios se aproximou, não estava equipado, e trazia consigo um cesto de palha que carregava no ombro. Ele então colocou o cesto no chão e aplaudiu Thaletas meio ironicamente.
   -Belo discurso!
   Thaletas entendeu que Alexios estava debochando, mas não ficou irritado. Já havia se desprendido das regras formais de sociabilidade quando estavam juntos e sabia que aquilo era apenas uma brincadeira.
   - Atenienses dão discursos. Espartanos dão ordens! - Ele se aproximou do amigo e o cumprimentou com um abraço acalorado e reparou que Alexios exalava um perfume floral e estava usando roupas de civis. - Esteve em Delos? As ruas são cheias de flores.
   - Estive sim. E hoje estava um dia ótimo para caminhar pelo mercado, observar as pessoas, espiar soldados atenienses... - Ele respondeu enquanto abria o cesto e retirava um potinho rústico de cerâmica que continha mel dentro. Em seguida puxou um punhado de uvas e alguns figos e sentou-se sobre uma das pedras, e Thaletas acomodou-se também logo em seguida.
   - Você espiou soldados? Descobriu alguma coisa? - Questionou ansioso, curvando seu torso em direção ao amigo. Alexios então mergulhou algumas uvas no mel e ofereceu a ele. Thaletas não sabia se ansiava mais pelas notícias que seu amigo trazia ou para saborear aquelas frutas adoçadas.
   - Podarkis está com suas defesas enfraquecidas. O polemarco ateniense saiu da ilha esta manhã. - Alexios respondeu enquanto retirava do cesto uma ânfora decorada com os feitos de Teseu. Thaletas ficou visivelmente animado e Alexios continuou: - Preciso ir ao esconderijo relatar isso pra Kyra pois ainda não estive com ela.
   Ao ouvir o nome de Kyra, foi difícil para Thaletas disfarçar o desapontamento. Ele era aliado dela, e lutaria na rebelião dela, mas frequentemente se esquecia dela.
   - Thaletas, os deuses estão a nosso favor. Nós vamos conseguir. Kyra levará justiça a Podarkis e você levará glória à Esparta. - Alexios então se aproximou do general, encostado o joelho em sua perna. Repousou uma mão em seu antebraço e apertou as pontas dos dedos. Desejando confortá-lo, Alexios sorriu, oferecendo mais frutas.
   - Meu querido Alexios, eu não tenho dúvidas de que suas convicções estão certas. - Thaletas disse aceitando as frutas. - Perdoe-me se pareci desanimado. É que Kyra, e eu... - ele pausou e abaixou a cabeça. - Kyra e eu tínhamos algo especial. Talvez um relacionamento. Mas agora creio que Afrodite não deseja mais que eu e ela fiquemos juntos. - Ele pausou mais uma vez, e Alexios permanecia em silêncio para que o amigo pudesse continuar falando. - Eu lutava por ela. Agora, já não tenho mais certeza. Devo confessar que foi a sua chegada que reacendeu meu desejo de continuar aqui.

   Eles permaneceram ali sobre as pedras saboreando as frutas, o vinho e o mel enquanto conversavam. Os momentos que passava assim com Thaletas traziam para Alexios satisfação. Lembrou-se que só se sentia assim na presença de velhos conhecidos, ou de pessoas que amou. Gostava muito de ouvi-lo rindo, pois o bom-humor de Thaletas era difícil de se conquistar. Aos poucos se deu conta de que o general, mesmo sendo um oficial espartano, estava tão perdido sobre seu propósito quanto ele mesmo. Começou a nascer em Alexios uma vontade muito forte de acolhê-lo.
   O sol começou a desaparecer quando Alexios percebeu que havia perdido a noção do tempo. Levantou-se e começou a recolher o os objetos espalhados ali. Sentiu que queria dizer algo a Thaletas, mas ainda não havia pensado exatamente no que queria falar. O general, um pouco mais animado, ajudava Alexios a recolher as coisas.
   - É difícil se comprometer com um propósito quando se está tão distante de Esparta. Mas quando conversamos assim, eu sinto que meu fardo diminui um pouco. – disse Thaletas enquanto esticava as pernas.
   - Eu posso ser o seu propósito, se você quiser. – Alexios pausou o que fazia e olhou para Thaletas, quando percebeu que havia dito algo estranho, e imediatamente sentiu-se envergonhado.
   - Estou lisonjeado, Alexios. – Thaletas respondeu, rindo.

   Apressado e sentindo que suas bochechas queimavam de constrangimento, Alexios se dirigiu até sua tenda para se preparar para dormir. De longe, Thaletas o observava ainda rindo com uma mão sobre a boca.