Capítulo 2


Kyra e Thaletas

   A notícia da derrota ateniense na praia se espalharia rapidamente por Míconos. Kyra ordenou que seus batedores escoltassem a região aonde Thaletas havia se estabelecido, tentando prever qualquer aproximação indesejada. Ele passava os dias com ela tentando definir os rumos da rebelião, e à noite retornava para seu acampamento para ficar na companhia de seus homens. Sempre que recostava a cabeça em sua tenda, desejava estar repousando ao lado de Kyra, e ansiava pelo amanhecer quando eles se encontrariam. A aproximação entre eles ocorria naturalmente, e Thaletas começou a pensar que talvez não fosse uma ideia ruim residir na ilha com ela. Às vezes, vislumbrava um futuro em que Kyra viveria em Esparta com ele.
   Porém, a tensão entre ambos começaria a brotar quando Thaletas passou a vivenciar diariamente as adversidades de se estar em território ateniense, e Kyra percebeu que o pouco número de espartanos que sobreviveu não era exatamente de grande ajuda. Os atritos entre eles ficariam cada vez mais frequentes a cada reunião que realizavam. No calor do debate, Thaletas impulsivamente manifestava que deveria comandar todos os ataques independente da opinião de Kyra, mas o olhar feroz que ela lançava sobre ele o lembrava que isso não iria acontecer. Ela era absolutamente contra realizar ataques que colocariam em risco a vida de seus companheiros, e rejeitava todas as ideias de Thaletas por medo de enviar mais pessoas para a morte. Quando não estavam discutindo fervorosamente a respeito da direção da rebelião, os dois eram capazes de proporcionar um ao outro os momentos mais serenos, mesmo dentro de um contexto de guerra. Porém, estes momentos iam ficando cada vez mais raros, e aos poucos Thaletas passou a permanecer cada vez mais tempo em seu acampamento, enquanto Kyra se isolava em seu esconderijo.


   As semanas se passavam enquanto os reforços atenienses se estabeleciam em acampamentos espalhados por Míconos. Batedores rebeldes retornavam ao esconderijo todos os dias com relatórios nada agradáveis. Kyra estava em constante pressão e estresse, e a insistência de Thaletas em atacar antes que mais tropas chegassem não ajudava.  Seus números eram pequenos e a frota espartana que ela esperava trazer com reforços não conseguia ultrapassar as barreiras de navios atenienses que protegiam as ilhas. Ela sentia que o momento de reagir se aproximava mesmo a contragosto, e estava preparada para aceitar o destino de morrer resistindo. 
   Thaletas estava cansado, em território ateniense, racionando recursos para manter seus homens vivos. Sentia falta de casa, sentia falta dos companheiros que perdeu. O tempo passava e ele tentava se apegar novamente a Kyra e à ideia de lutar por ela, pois sem isso ele sentia que estava ali sem propósito. Certo dia, após uma difícil discussão com ela, decidiu visitar Delos sozinho, e enquanto caminhava sobre as ruas usando roupas de civil, diversas lembranças sobre sua terra natal passavam por sua mente. Sem muita direção, ele seguiu um caminho íngreme que o levou até as ruínas de um templo no topo de uma colina. De lá observou o vasto oceano, e os navios atenienses pareciam minúsculos diante da imensidão das águas de Poseidon. Apesar de em ruínas, o templo tinha algumas poucas oferendas visíveis, afinal aquela era a terra sagrada de Ártemis. O lugar não possuía nenhuma semelhança visual com Esparta, mas ainda assim fazia Thaletas se lembrar de casa. 
   Estava começando a anoitecer quando ele descia a colina. Seus pensamentos estavam inundados por doces memórias dos bons momentos que passou com Kyra. Ele então decidiu que, se ela não fosse o propósito dele ali, então ele deveria admitir-se derrotado. A glória para Esparta deveria vir apenas como uma consequência, já que a Liga do Peloponeso não tinha condições de ajudá-lo na empreitada de conquistar as ilhas. Mantendo essa convicção, Thaletas ansiava superar as saudades que sentia de sua terra natal, e tinha esperanças que resgataria o amor por Kyra que havia nascido nele no dia em que ele pisou em Míconos pela primeira vez.

   Durante um passeio noturno, Thaletas decidiu dizer a Kyra que estava determinado a lutar por ela. Para ele, era importante que ela soubesse disso, já que acreditava que o amor fortalecia os laços entre guerreiros. 
   - Estou preparado para morrer em batalha por você, Kyra. Por Esparta, mas principalmente por você. - ele disse um pouco conformado.
   - Obrigada. Lutaremos por nosso povo, mas também lutaremos por nós. - Apesar de tudo, as palavras de Thaletas lhe traziam conforto. Aceitar a morte não era exatamente fácil, mas passar por isso na companhia de alguém que acredita em você trazia paz a ela.
   De olhos fechados, Kyra lentamente se aconchegou nos braços de Thaletas, vislumbrando um futuro em que seu povo não fosse mais subjugado por Podarkis. Thaletas a abraçou de volta, e sentiu a pulsação aumentar. Queria entender que aquele era o gesto que validaria sua decisão de lutar por Kyra, mas no fundo temia que seu coração tivesse incertezas. Momentos depois, enquanto caminhavam de mãos dadas, eles foram interrompidos por um dos subordinados de Kyra. 
   -Senhora, - ele disse cuidadosamente, sabendo que estava interrompendo um momento privado. - Senhora, o Portador da Águia está em Míconos.