3. Rebeldes com causa
Kyra observava em seu pequeno espaço no esconderijo os objetos bélicos que vinha acumulado a cada nova pilhagem que realizava em acampamentos atenienses. Já fazia um tempo que ela não conseguia novos espólios, e suas adagas, arcos e espadas já estavam desgastados. Podarkis estava cada dia mais impiedoso, cercando os rebeldes aos poucos, eliminando no caminho todos os civis que ousavam contrariá-lo. Ela extraía sua motivação para seguir lutando sabe-se lá de onde. Quando Thaletas apareceu na ilha, ela acreditou que os deuses estavam finalmente ao seu lado, mas as baixas constantes que sofria nos conflitos inesperados com os atenienses estavam esvaziando suas esperanças. O general espartano era feroz, mas ela vinha refletindo sobre ter se envolvido intimamente com ele, e que agora ele provavelmente estava preso a ela sem muitas opções de resolução. As constantes discussões também não ajudavam, e Kyra começou a questionar-se sobre a decisão de ter recorrido aos espartanos.
O fogo iluminava o reflexo metálico das armas, e Kyra observou que precisava dar polimento em todas elas, especialmente após saber que o mercenário que ela havia mandado mensagens respondeu ao seu chamado, e que já se encontrava na ilha. Mesmo sabendo que apenas um homem provavelmente não representava a vitória que ela vinha pedindo aos deuses, a chegada dele significava um respiro de esperança. Ao fundo escutava a voz de seus companheiros conversando despretensiosamente enquanto bebiam suas tristezas e seus lutos com vinho barato, hora em meio a risadas, hora em meio a choros abafados, até que se fez um silêncio abrupto. Ela caminhou vagarosamente até o centro do esconderijo na caverna, e percebeu que todos ali presentes estavam voltados para o corredor de entrada.
-Quem é você e o que você quer? -, um deles gritou para um estranho que se aproximava, a voz trêmula pelo álcool, mas ameaçadora suficiente. O estranho era um homem relativamente alto e usava trajes que lembravam algo de espartano em suas cores e padrões.
-Eu estou procurando por uma pessoa chamada Kyra -, respondeu o estranho. Seu nome era Alexios, o Portador da Águia, e ele estava ali em resposta ao chamado de Kyra para sua causa nas Ilhas de Prata.
Alexios se acomodou no esconderijo para escutar mais detalhes a respeito da situação. Kyra explicou a ele suas frustrações com o avanço do governo local, a opressão de Podarkis, os tributos abusivos cobrados pelo governo, e as ameaças constantes da frota naval ateniense. Ela estava enfraquecida em números, mas sua mente parecia mais afiada e mais convicta sobre fazer o que considerava certo. Essa certeza que ela tinha de que estava agindo da maneira correta pelo seu povo foi mais do que suficiente para Alexios se convencer de que valia a pena ajudar os rebeldes, ainda que estivessem em desvantagem. Ele escutava atenciosamente enquanto Kyra explicava que buscou a ajuda não apenas de um mercenário, mas também de Esparta, dada a sua necessidade de obter auxílio de alguém que odiasse Atenas tanto quanto ela. Enquanto relatava para Alexios a opressão que Podarkis vinha fazendo contra civis, um batedor interrompeu a conversa em desespero.
- O acampamento espartano! O acampamento foi descoberto e está sobre ataque ateniense! -, gritou o homem.
- Malákas*! - amaldiçoou Kyra. - Alexios, vamos! Precisamos ajudar os espartanos!
- Kyra, seus homens estão completamente bêbados. Eu cuido dos soldados atenien- Kyra o interrompe com uma risada alta.
- Você que deve estar bêbado se acha que eu desperdiçaria uma chance de matar atenienses.
Eles montaram em seus cavalos e rapidamente pegaram a estrada em direção ao acampamento, eventualmente enfrentando batedores atenienses que espreitavam na estrada. Aproximando-se do acampamento, Alexios se sentiu ansioso quando viu os estandartes vermelhos. Ainda que houvesse rancor em seu coração pelo ocorrido no monte Taigeto, um senso de urgência em resgatar os espartanos fez com que se apressasse ainda mais. Ele se infiltrou naquele campo de batalha e quando percebeu que os soldados atenienses mal conseguiam se equilibrar na própria armadura, constatou que a tarefa de proteger seus novos aliados seria relativamente simples. Mesmo em número consideravelmente menor, aqueles homens espartanos resistiam bravamente, abrindo espaço para que o mercenário agisse livremente. Thaletas agradeceu aos deuses quando percebeu que Kyra havia chegado com um novo e experiente guerreiro em seu favor. Ele estava surpreso com as habilidades daquele estranho, pois quando Alexios golpeava para matar, os corpos de suas vítimas caíam no chão como se sequer possuíssem algum peso. Ele planava entre um adversário e outro como uma pena, e por onde suas lâminas passavam, corpos de soldados atenienses caíam sem vida. Mesmo sem compreender como um único homem era capaz de derrubar tantos outros, Thaletas concluiu que aquele guerreiro só poderia ser espartano, pois tamanha determinação em batalha só era possível com a educação militar de sua terra natal.
A batalha foi vencida, e o grupo se reuniu para discutir a respeito do que havia acabado de acontecer.
- Você lutou bem, Kyra. - Disse o general, aproximando-se discretamente da mulher. Ele a cumprimentou com um tapa nas costas, e sua mão deslizou delicadamente pelo seu ombro, demonstrando certa aproximação. Ela afastou o ombro do gesto de Thaletas, e o agradeceu pelo elogio com um pequeno sorriso. Ele então direcionou sua atenção para Alexios: -Você também, estranho. Espartano?
A pergunta pegou Alexios de surpresa, e ele fez uma pausa desconfortável antes de responder.
- Eu era. Não sou mais.
- Sangue espartano é eterno, meu caro! Qual o seu nome? – Thaletas sorria, pois sua intuição sobre aquele estranho não estava errada.
- Este é Alexios, Thaletas. Ele é o mercenário que eu contratei. - Kyra disse, apresentando os dois formalmente.
*Filhos da puta em grego.
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